quarta-feira, 23 de abril de 2014

Inhotim e o medo de pobre

Foto clássica com o busão porque eu sou suburbana!

Na galeria Cosmococa


Inhotim é a Disneylândia da arte contemporânea. Tudo lindo, tudo limpo, mas tem muita sujeira por baixo do tapete verde. Até por isso, é preciso pisar com cuidado, fazer cara de paisagem e aquele silêncio para não incomodar os mortos. Lá, a vanguarda vã guarda o caixão da especulação imobiliária e se envolve em esquemas de lavagem de dinheiro. Enquanto Brumadinho – um pequeno fim de mundo – fica a espera o futuro.

Desculpem a acidez, não é preconceito. Mas confesso que a minha mania de não ler a sinopse do filme me deixou com falsas expectativas. A ideia de uma galeria de arte-moderna à céu aberto me pareceu genial. O problema é que Inhotim tem um milhão de metros quadrados onde só o ar é livre. Nada de palestras, performances ou piqueniques. Lá, só planta podada vive.  No restaurante Hélio Oiticica se passa fome na fila, mas não pode levar comida. Mergulhar pelado no lago, nem sequer se proíbe. O que me faz suspeitar que ninguém ao menos tentou! Embora eu esteja certa Yayoi Kusama me acompanharia.

Inhotim é um museu com um enorme vaso da plantas para melhorar o cheiro de naftalina. E como todo museu, vive de coisa morta. Se fosse arte barroca, estava tudo certo. Mas uma arte-moderna tipo Oiticica em um ambiente tão restritivo é de dar nó nas tripa (assim mesmo, sem plural). É porque eu gosto muito da proposta do cara, e de fato, curti demais a galeria Cosmococa. Até podia interagir com as coisas seguindo a proposta do artista. O que, de fato, fez a alegria da criançada.  Mas não tem com ignorar contradição de colocar Jimi Hendrix e cocaína na vitrine do parque vigiado. Não tentem fazer isso em casa! Enfia  conteúdo alternativo e fora de contexto goela abaixo, tampa o nariz e engole que é chique. O que necessariamente acaba causando os comentários mais toscos de pessoas que percebem que tem alguma coisa muito errada nisso tudo. Isso até eu faria em casa. 

Será que artes visuais é isso mesmo: só estética estática? É só para ver e não para viver? Porque não foi isso que eu entendi, pelo menos em relação aos artistas que eu cito. Isso pode ser uma limitação vulgar e primitiva, possivelmente de origem indígena. Mas dificilmente me toca o que não posso tocar. Nunca gostei de pavê, só para comer. Até por isso a minha identificação com o  movimento antropofágico e o tropicalismo .

Entendo que pessoas frenéticas tirando fotos o tempo todo, falando alto, jogando lixo e fazendo estardalhaço atrapalham a experiência do contato com as obras de arte. Mas será que a solução é proliferar proibições sem discussão como qualquer shopping center? Para mim isso é tudo medo de pobre que não sabe se comportar como europeus civilizados. No entanto, o que lota Inhotim no feriado é o pobre. Ou, pelo menos, uma classe média que não quer só comida e anseia por cultura e coisa bonita. Mas a arte é muito mais que coisa bonita. Como diz o poeta Chacal no livro Uma história à margem: “A cultura pode mais, muito mais, do que apenas servir de pasto a nossas necessidades estéticas e espirituais. A cultura pode mudar um ambiente, trazer luz a uma área cinza. A cultura é capaz de revitalizar espaços degradados onde o poder público não conseguiu chegar. Foi assim com a Lapa, no Rio de Janeiro e a praça Roosevelt e São Paulo.

Por experiência própria, como poeta, posso dizer a arte pode transformar a vida das pessoas. Mas esvaziada do corpo a corpo, não pode quase nada. Pode nem  proporcionar interações menos restritivas  em um parque que expõe artistas vanguardistas. Aí fica parecendo que arte é coisa de  gênios eleitos, e não tem nada a ver com crítica ou política prática. E isso certamente não é  por ingenuidade. Faz parte da proposta capitalista: Che Guevara na camisa. Nem por isso a coisa deixa de ser bonita. Só que pouco nutritivo, com um gosto de embalagem. Pensando bem, em Inhotim até que é fácil ser subversivo: é só falar alto,  fumar um baseado escondido e levar comida na mochila. Mas no lago eu não pulei.


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