terça-feira, 30 de setembro de 2014

No ponto

Meu coração está parado no ponto esperando um ônibus para Niterói. Todo mundo diz que passa, mas 40 minutos e nada. Solidários, os solitários vão dando informações. E por mais que acreditem nelas, nunca sabem ao certo se vale a pena esperar. Meu coração é tão absurdo como um ônibus escrito "barcas" que não passa pelas barcas porque a Perimetral foi derrubada. Aí você tem que andar até depois do ponto final e alterar o cronograma sem drama, pois nessa cidade, nessa idade... Tudo isso é normal. Meu coração não tem condições de cumprir com o combinado, vai decepcionar os outros corações. Por isso, se lança no oceano e desfruta o balanço inseguro do mar. Sorver cada naco de beleza que se insinua da janela, ignorando a espera e sabendo que não há salva-vidas para o amor. Meu coração se salva lendo Carlos Meijueiro do celular, escreve poema e reinventa sentido para o tempo perdido no trânsito.

A musa da solidão

Como sentia frio no filme europeu, a musa do cinema se descolou da tela. Resolveu dar um rolê pelo Festival do Rio. Achou que causaria espanto, mas os homens nem reparam. Estão muito concentrados em seus telefones celulares, repletos de whatsapps, após a sessão. Quanta ingenuidade! Ela acreditara que aqueles os olhares eram todos para ela. Que os moços bonitos desejavam tê-la. Só que não. Eles preferem a tela. O único capaz de nota-la foi o velho, da era pré-tinder, ainda do tempo da paquera. Ele pisca e anuncia saber-se velho, "não pretendo assedia-la". Assinando sua sentença: "mala". A doce personagem, solitária, aceita solenemente sua companhia. De repente, todos os olhares se voltam novamente para ela. Só agora compreende: eles têm medo. Mulheres sozinhas, sobretudo belas, são um perigo. Convém evita-las. O velho insiste por seu telefone. Ela responde com ternura: "preferiria não". E retorna para sua tela, repleta de humanidade, a musa da solidão.

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